segunda-feira, 26 de maio de 2008

Metade...


"Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo que acredito não me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio...


Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda que triste.
Que o homem que eu amo seja sempre amado, mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida e a outra metade é saudade...


Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor,
Apenas respeitadas como a única coisa que resta a uma mulher inundada de sentimento.
Porque metade de mim é o que eu ouço, mas a outra metade é o que calo...


Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço.
Que essa tensão que me corroe por dentro seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso e a outra metade é um vulcão...

Que o medo da solidão se afaste, que o convívio comigo mesma se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto o doce sorriso que eu me lembro de ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei...


Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço...


Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é a plateia e a outra metade, a canção...


E que minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor e a outra metade... também."


Oswaldo Montenegro

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Enraivecida...

Foto: Hartmut Nörenberg


Raiva, irritação e ira são sentimentos que nos assolam por vezes e com os quais nem sempre sabemos como lidar. Cada vez mais a sociedade da qual fazemos parte nos obriga a engolir sapos, a "matar um leão por dia para sobreviver", a ocultar opiniões sem poder expressar sentimentos de desagrado...

Será que o mais correcto é controlar esses sentimentos?? Até que ponto não nos fazemos mal a nós próprios ao pensar nos outros antes de nós??

Pois as mais normais consequências são as somatizações, as alergias na pele, nas vias respiratórias, a pressão arterial elevada e o mais grave...chegar até à depressão, que na verdade é a raiva contida e reprimida.

Eu concordo que vivemos numa sociedade democrática e como tal a nossa liberdade termina quando começa a liberdade do outro e consequentemente somos "obrigados" a aniquilar no nosso organismos aquilo que temos vontade de extravasar. Aceito que não devemos libertar a raiva a torto e a direito sem pensar nos outros, principalmente naqueles que nos são próximos e que por vezes são os mais afectados pelo que sentimos... Mas não deveriamos, alguma vez na nossa vida deixar esse vulcão interior entrar em erupção??

A solução que avisto nesses momentos é descarregar, expressar verbalmente o que sinto mas no entanto encontro um pau de dois bicos ao ter de ser complacente com o que digo pois a minha raiva pode causar no outro raiva de mim mesma e um dia, ninguém sabe se não precisarei da sua compreensão... Enfim por mais que não queiramos vivemos num Mundo de favores, um Mundo onde dependemos sempre de terceiros e do seu consentimento para algo que ainda sequer adivinhamos... Mundo ingrato este...



"Tudo o que acontece, acontece de sorte que naturalmente o podes suportar ou naturalmente o não podes suportar; não protestes, mas, enquanto te for possível, suporta-o.

Se ao invés é coisa que naturalmente és capaz de suportar, não reguingues, senão mais depressa dás com tudo em terra.

Lembra-te, todavia, que és naturalmente capaz de suportar tudo o que de ti depende tornar suportável e tolerável; basta que consideres que é o teu interesse ou o teu dever a impor-te esse trabalho. "


Marco Aurélio, in 'Pensamentos

domingo, 18 de maio de 2008

Ningém se conhece a Si Mesmo


Todos os dias desde o momento em que acordamos e nos apresentamos ao Mundo e aos outros somos sujeitos, apesar de nos agradar ou não, a julgamentos.
Por mais que as pessoas queiram afirmar que não julgam sem conhecer, que não rotulam sem saber, mal nos põem os olhos em cima dão-se ao direito de tecer um pensamento a nosso respeito, põem-nos como que uma etiqueta na testa que nos identifica perante um grupo e que nos insere numa espécie de estante onde estão arrumados aqueles a que nos consideram semelhantes... Funciona como uma espécie de memória selectiva talvez...

Agora eu questiono: Quem deu a essas pessoas o direito de me qualificar?? ou melhor... Até que ponto é que eu própria me conheço a mim mesma para me defender das etiquetas e rótulos, dos lugares menos adequados na prateleira da Sociedade??

Por mais que pense e tente argumentar as minhas próprias divagações cada vez mais me convenço que nem eu me conheço a mim própria porque a cada dia que passa, a cada situação que se me apresenta descubro em mim novas formas de lidar, de agir, que até então não conhecia sequer a existência. Desvendo novos comportamentos, novas reacções que nem sempre se encaixam naquilo que sempre considerei como princípios...
A vida a cada dia ensina-nos coisas novas a nosso respeito, torna-nos mais aptos, mais fortes, mais adaptados... falta saber se no meio de tudo isto não nos perdemos numa espiral sem fim, num labirinto sem retorno... Se não nos destruimos sem saber como nos construir de volta...

"Julga que se conhece, se não se construir de algum modo? E julga que eu posso conhecê-lo, se não o construir à minha maneira? E julga que me pode conhecer, se não me construir à sua maneira?
Só podemos conhecer aquilo a que conseguimos dar forma. Mas que conhecimento pode ser esse? Não será essa forma a própria coisa? Sim, tanto para mim como para si; mas não da mesma maneira para mim e para si: isso é tão verdade que eu não me reconheço na forma que você me dá, nem você se reconhece na forma que eu lhe dou; e a mesma coisa não é igual para todos e mesmo para cada um de nós pode mudar constantemente.
E, contudo, não há outra realidade fora desta, a não ser na forma momentânea que conseguimos dar a nós mesmos, aos outros e às coisas. A realidade que eu tenho para si está na forma que você me dá; mas é realidade para si, não é para mim.
E, para mim mesmo, eu não tenho outra realidade senão na forma que consigo dar a mim próprio. Como?
Construindo-me, precisamente... "
Luigi Pirandello, in "Um, Ninguém e Cem Mil"






quarta-feira, 14 de maio de 2008

Pensamento...


" Triste não é mudar de ideias...

triste é não ter ideias para mudar..."


Francis Bacon

Para Ti...


Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que falhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só olhar
amando de uma só vida.

Mia Couto
"Raiz de Orvalho e Outros Poemas"
Porque foi por Ti que o escolhi, porque é a Ti que AMO...

terça-feira, 13 de maio de 2008

Desequilíbrio...

Às vezes, quando achamos que já tudo nos aconteceu, eis que somos surpreendidos por mais um presente envenenado vindo de um destino jamais pensado...
Ora ser-se contemplado por actos surreais de malvadez e mesquinhice não é coisa que se engula com um simples copo de água, por maior e mais duradouro que ele seja.
É absurdo, mais ainda me surpreende como é que nos dias de hoje, pessoas portadoras de uma suposta "boa índole" e de uma imagem angelical, cuidadosamente trabalhada, conseguem dissimular-se durante uma infinidade de tempo sem que ninguém tome a iniciativa de as desmascarar...
Não querendo ser a defensora da verdade, a justiceira dos desgraçados chegou a minha hora... A hora de eu dizer basta, de eu expôr ao ridículo a capa, de fazer cair a pele de cordeiro e do alto da minha insignificância neste mundo abrir para todos o quão desequilibradas algumas personagens que nos povoam o cenário podem ser.
Chega de tentar encobrir e desculpar actos ruins nem que seja por pena... BASTA... É preciso falar...

sábado, 3 de maio de 2008

Nascer do Sol...




Após pouquissimas horas dormidas,

após tres longas horas de viagem

o que poderia ser melhor que esta visão do paraíso

e este nascer do Sol tão selvagem??

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Pecados Capitais: A Luxúria...


Luxúria é o apetite sexual insaciável, com exclusiva satisfação física, representa o desejo desordenado pelos prazeres sexuais. Pode ser definida como uma impulsividade desenfreada, um prazer pelo excesso...Por vezes pode representar uma fuga do amor, da intimidade e do compromisso, desvalorizando o sentimento, a intimidade, cumplicidade, que não podem ser desenvolvidos em relações rápidas e superficiais.

Uma das causas da busca incessante por sexo, aparência e estética, tem origem na própria sociedade, esse culto pelo belo, pela estética e pelo prazer geram muita angústia e insatisfação, quase sempre refletida na preocupação excessiva com o próprio físico, principalmente para quem está longe dos moldes ditados pela sociedade.

A luxúria demonstra uma grande insegurança e sobrepõe-se de tal modo que transforma a natural necessidade de amar e ser amado, numa necessidade compulsiva e patológica de satisfação, geralmente uma busca pela satisfação imediata.

A luxúria desvirtua a sensualidade e deforma o amor, tornando o apetite sexual insaciável.


Podem encontrar-se muitas pessoas com "cara de bonzinho" para seduzir, conquistar, simplesmente para conseguir o que querem e que, depois de satisfeitos, vão embora. Vivem em função da aparência, o que mostra uma pessoa que não consegue gostar de si como é, buscando compensar sua falta de confiança, supervalorizando o belo, o corpo, tanto no outro como em si.


Mas será a mera vontade de satisfação carnal sinónimo de luxúria?...

A luxúria permite-nos sentir a vida a borbulhar dentro do nosso corpo e impele-nos para o concretizar dos nossos desejos mais secretos. É a luxúria que nos faz viver a aventura do desejo!!